O pintor era
um homem que podia registar a natureza transitória das coisas e preservar o
aspecto de qualquer objecto para a posteridade. Ignoraríamos o aspecto do dodó
se um pintor holandês do século XVII não tivesse usado a sua habilidade para
retratar um exemplar dessa espécie pouco antes de essas aves serem extintas. A
fotografia iria assumir no século XIX essa função da arte pictórica. Foi um
golpe na posição dos artistas, tão sério como a abolição das imagens religiosas
pelo protestantismo. Antes da máquina fotográfica, toda a pessoa que se
prezasse devia pousar para o seu retrato, pelo menos uma vez na vida. Agora, as
pessoas raramente se sujeitariam a esse incómodo, a menos que queiram obsequiar
ou ajudar um pintor amigo. Por causa disso, os artistas viram-se cada vez mais
compelidos a explorar regiões onde a máquina não podia substitui-los. De facto,
a arte moderna dificilmente se converteria no que é sem o impacto da invenção
da fotografia.
O segundo
aliado que os impressionistas encontraram na sua busca ousada de novos motivos
e novos esquemas de cor foi a cromotipia japonesa. A arte do Japão
desenvolvera-se a partir da arte chinesa e prosseguira nesse rumo durante quase
mil anos. No século XVIII, entretanto, talvez sob a influência das estampas
europeias, os artistas japoneses abandonaram os motivos tradicionais da arte no
Extremo Oriente e escolheram cenas da vida humilde como temas para as suas
xilogravuras coloridas, que combinavam grande arrojo de invenção com uma
perfeita técnica magistral. Os connoisseurs japoneses não manifestavam grande
apreço pelos novos produtos de baixo preço. Preferiam a austera maneira
tradicional. Quando o Japão foi forçado, em meados do século XIX, a estabelecer
relações comerciais com a Europa e a América, essas estampas, muito usadas como
envoltórios e chumaços, podiam ser compradas por preços módicos nas casas de
chá. Os artistas do círculo de Manet foram dos primeiros a apreciar as estampas
e a coleccioná-las avidamente. Viram nelas uma tradição não contaminada pelas
regras e lugares-comuns académicos que os pintores franceses lutavam por
eliminar. As gravuras japonesas ajudaram-nos a observar até que ponto as
convenções europeias ainda persistiam entre eles, sem que se dessem conta. Os
japoneses compraziam-se com todos os aspectos inesperados e não convencionais.
O seu mestre Hokusai ( 1760-1849 ) representaria Monte Fuji como que por acaso,
atrás de um poço (fig. 341); Utamaro ( 1753-1806 ) não hesitaria em mostrar
algumas das suas figuras cortadas pela margem da gravura ou por uma cortina de
bambu (fig. 342). Esse arrojado desdém por uma regra elementar da pintura
europeia exerceu grande efeito sobre os impressionistas. Descobriram eles nessa
regra um ultimo esconderijo do velho domínio do conhecimento sobre a visão. Por
que havia a pintura de mostrar sempre a totalidade ou a parte relevante de cada
figura de uma cena?
O pintor que
mais profundamente se impressionou com essas possibilidades foi Edgar Degas (
1834-1917). Degas era um pouco mais velho que Monet e, tal como ele, manteve-se
um pouco distanciado do grupo impressionista, embora simpatize com a maioria
dos seus propósitos. Degas alimentava um interesse apaixonado pela arte do
desenho e tinha grande admiração por Ingres. Nos seus retratos procurava
realçar a impressão do espaço e das formas sólidas, vistos dos ângulos mais
inesperados. Certamente por isso gostava de ir buscar ao ballet os seus temas,
em vez de fazê-lo em cenas ao ar livre. Assistindo aos ensaios, Degas tinha a
oportunidade de ver corpos de todos os ângulos e nas mais variadas atitudes.
Observando o palco, via as bailarinas a dançar, ou em repouso, e estudava o
intricado escorço e o efeito da iluminação de cena para modelar a forma humana.
A fig. 344 mostra um dos esboços a pastel de Degas. A composição não poderia
ter uma aparência mais casual. De algumas das bailarinas vemos apenas as
pernas, de outras apenas parte do corpo. Só uma figura é vista por inteiro e
numa postura complicada e difícil de interpretar. Vemo-la de cima, a cabeça
inclinada para diante, a mão esquerda agarrando o tornozelo, num estado de
total relaxamento. Não há qualquer história nos quadros de Degas. A ele não lhe
interessam as bailarinas por serem jovens bonitas. Tampouco parece importar-se
com o estado de espírito delas. Observa-as com a objectividade desapaixonada
com que os impressionistas observam uma paisagem á sua volta. Importante era o
jogo de luz e sombra sobre a forma humana, e o modo como podia sugerir
movimento ou espaço. Degas provou ao mundo académico que, longe de serem
incompatíveis com o desenho perfeito, os novos princípios dos jovens artistas
estavam a equacionar problemas que só o mais consumado mestre do desenho
poderia resolver.
Os princípios básicos de
novo movimento só podiam encontrar plena expressão na pintura, mas também a
escultura não tardou a ser atraída para a batalha pró ou contra o “modernismo”.
O grande escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) nasceu no mesmo ano que
Monet. Como era um ardente estudioso das estatuária clássica e de Miguel
Ângelo, não houve necessariamente um conflito fundamental entre eles e a arte
tradicional. De facto, Rodin logo se tornou um mestre consagrado e gozou de
celebridade pública como um grande artista, talvez maior que qualquer outro do
seu tempo. Contudo, até as suas obras foram alvo de violentas controvérsias
entre os críticos e frequentemente comparadas às dos rebeldes impressionistas.
A razão disso pode evidenciar-se se observarmos um dos seus retratos. Tal como
os impressionistas, Rodin desprezava o aspecto externo de “acabamento”. Tal
como eles, preferia reservar algo para a imaginação do espectador.